
Ainda mal estavam os meus pés a sair do útero da minha mãe já as mulheres da minha família andavam todas entretidas a montar o enxoval para o meu casamento (não, não estou a brincar, é mesmo a sério). Para quem não sabe o enxoval é a versão portuguesa do dote. É hábito aqui nesta terra perdida no meio de nada e ao pé de tudo no dia do casamento abrir a casa dos noivos para que todas as cuscas da vizinhança possam comentar nos infinitos naperons, mantas, bordadas, electrodomésticos e outras futilidades.
Ora enquanto outras crianças se queixavam no Natal de receberem meias, camisolas e pijamas a minha maldição era o enxoval. "Oh, wow, uma frigideira, era mesmo o que estava a precisar", principalmente quando se tem 10 anos e os nossos dotes culinários se resumem a um copo de leite com chocolate, "É para o teu enxoval!" resposta de se ia multiplicando através dos tempos.
Ora, como podem imaginar não tenho exactamente 15 anos, então o meu enxoval consiste num verdadeiro registo arqueológico da moda das ultimas três décadas. Nunca prestei muita atenção ao enxoval. É como um sinal na pele que só se nota quando começa a crescer demais. Hoje no entanto tive um verdadeiro acordar para a realidade. Passo eu pelo De Borla, uma grande superfície de brique-á-braques, o LIDL da casa moderna (o IKEA é praí o Pingo Doce) para me abastecer de tupperwares para por a tralha que se vai acumulando, quando noto que estavam em promoção os artigos para a casa. Ora como qualquer planeador de uma mudança, comecei a abastacer de utilidades para a casa. Lençóis, cobertores, um puff e mais umas merditas. Estava eu na linha da caixa quando uma rapariga me pergunta onde comprei eu o edredon cor de laranja, indico para o corredor onde o tinha encontrado e penso para comigo que comprar estas coisas não é tão difícil como parece. Estava-me reservado um cruel acordar.
Chego a casa prestes a arrumar a tralha quando a minha mãe me olha com um olha misto de surpresa e de terror, "Que é isso?" pergunta, ao que respondo na minha inocência que eram umas coisitas para a casa. Aí o olhar de curiosidade passou para um olhar de terror. Foi nessa altura que o enxoval voltou das profundezas para me assombrar como tinha feito durante grande parte da minha juventude. Foi nesse momento que me apercebi da verdadeira dimensão que o monstro tinha adquirido, ele eram almofadas, conjuntos de banho, lençóis, bordados, naperons, toalhas de mesa, tralha de cozinha (bem esse ainda escapa) e quase tudo o que se possa imaginar.
Não me levem a mal, ou me tomem por mal agradecido. Eu gosto de ter algumas coisas já compradas, vai-me poupar muito dinheiro, mas a maioria da tralha é extremamente inútil e efeminada! Para que raio preciso eu de uma dúzia de naperons, ou de lençóis bordados à mão, ou toalhas de mesa em renda! Ou toalhas cor de rosa, ou lençóis que parecem que estou a dormir numa salada de fruta ...
A minha mãe não sabia se havia de rir se chorar, reconfortei-a dizendo que podia dar essas coisas todas ao meu irmão mais novo. Mas ela não, estava decidida a entregar as coisas ao primeiro pinto a sair do ninho. Depois de usar o argumento do espaço, da decoração, do gosto, bla bla bla desisti. Cada argumento meu era uma facada na boa vontade das mulheres da minha família que esperam durante a vida toda pelo meu casamento que a meu ver as probabilidades de acontecer são nulas ou muito próximas disso. Quanto será que vale um naperon feito à mão no Ebay?