Não sou o Super-Homem. É verdade que quando era miúdo viajava com ele nas revistas de banda desenhada importadas do Brasil e brincava com uma toalha de praia a esvoaçar por cima de muros.
Nunca quis ser bombeiro. Enquanto os putos da minha idade, deliravam a ver os carros de fogo a passar, eu ficava transfixiado pelo clarão e pelas labaredas enquanto as cinzas do alecrim caíam do céu e o cheiro a Santo António invadia o ar. Ter-me tornado bombeiro foi, como muitas outras coisas na minha vida, uma oportunidade que se me apresentou. Havia a possibilidade de criação de um Posto de Socorro na freguesia, uma ideia que tinha vindo a amadurecer na minha cabeça e que agora que sou "político" ajudei a tornar possível. Saltei de pés juntos, afinal é sempre necessário um par extra de braços.
Nunca tinha sonhado conduzir uma ambulância, ou um carro de fogo e verdade seja dita também não tenho grande apetência pela condução agora.
"Eu não seria capaz", é o que me dizem repetidamente. Não entendo. Não sou o Super-Homem, embora tenha a tendência de me comportar como tal, de ser capaz de tudo e mais alguma coisa. Mas é uma máscara, como outra qualquer. Uma máscara que pomos para ser fortes quando alguém não é, quando precisamos de ser o pilar de outros.
O coração acelera quando vou para um serviço e estremece quando chego. Não me importo. Mau será o dia em que isso deixar de acontecer. Lá, a realidade muda. O tempo acelera com o bater do coração e ao mesmo tempo abranda para um ritmo quase insuportável com a morosidade do processo. O espaço torna-se exíguo e naquele momento tudo o que existe sou eu, a minha equipa e quem necessita.
A verdade é que gosto, gosto muito. Gosto da camaradagem, de tornar os 40 kms até chegar ao hospital um bocadinho mais suportáveis, do sorriso dos meus velhotes ao me verem chegar, de me meter no meio do mato com um tanque minúsculo de água (sim, já comecei a achar alguma graça a combater fogos florestais) e das noites mal dormidas.
No meio deste ano e tal de bombeiragem como costumo dizer, aprendi muito, cresci bastante também. Não é fácil ser bombeiro, não quero com isto fazer-me de Super-Homem. Posso bem com os meus problemas, mas custa-me, custa-me muito deixar amigos no hospital, deixar a família em casa com a coração nas mãos, olhar para o medo nos olhos de outra pessoa, de dizer "vai ficar tudo bem", dizer quando alguém me diz que vai morrer "Eu também, mas não vai ser hoje." e de largar umas lágrimas escondidas quando me deito porque sabendo que não os consigo salvar todos, fica sempre a saudade.
Eu sou bombeiro? Não, ainda não. Mas um dia, quando for grande, vou ser bombeiro.