Ainda no domingo, já bem cansadito da caminhada e com uma fomeca já bem notada. Chego a casa para encontrar visitas, o meu avô e o meu tio-avô. Alguns dedos de conversa e mais tarde chega a minha futura afilhada acompanhada pelos pais, pelo que o o jantar ia sendo adiado cada vez mais.
A barriga já roncava quando recebo o telefonema, "A tua avó não se está a sentir bem.", e lá vou eu a correr para a encontrar lívida e a vomitar como a fonte das 3 bicas. Pergunto o que se passa (para além do óbvio) ao que me responde que tem um
"moedoiro na virilha, que não há meio de passar e que já vomitou tudo o que tinha a vomitar e que agora vomita umas cordas amarelas" sic .
Ligo para a linha saúde 24, onde depois de me fazerem algumas das perguntas mais estranhas que já algumas vez ouvi me dizem que é melhor ela ser observada e que vão encaminhar o caso dela para o hospital.
Agarro no carro, pego na minha mãe e lá vou eu a caminho das urgências pensando, bem é dia de clássico, aquilo vai estar vazio. É claro que não estava. Estava a abarrotar de gente. Como já tínhamos o processo da linha 24 lá, foi só entrar. Adivinhando uma loooonga espera vim para a rua fumar um cigarro lento enquanto espreitava pela janela o resultado do jogo. Uma hora depois queixa-se-me a minha mãe "Já estou a ver as luzes." algo que para o filho de alguém que tem enxaqueca há anos já sabe que a aura é o primeiro sinal de uma enxaqueca terrível. Agarro no cartão dela e envio-a para as urgências também, afinal estávamos no hospital ao que ela me responde "O quê, agora vou lá para dentro eu também?", respondi com um pronto "Preferes penar aqui na sala de espera?" que teve como resposta um olhar que só dizia "Bem visto.". Vários cigarros depois e findo o jogo ainda penava na sala espera sem previsão de quando me iria embora "Fez análises à urina, está à espera de resultados ...", "Está a soro ..." eram coisa que não adiantavam nada. Entretanto roubava uns sonos de 5 minutos na sala de espera, descobri que consigo dormir sentado, ou moxado dependendo do ponto de vista.
Algumas horas depois começo a ouvir, "Aquela senhora devia entrar", "Ela não se está a sentir bem", "Alguém havia de ver o que se passa", "Ela que vá fazer a inscrição", qual coro de tragédia grega mas ninguém se mexia, ninguém se queria dar ao trabalho. Fui ter com a senhora e perguntei o que se passava. Era uma senhora já de 84 anos com rugas que escreviam uma vida pouco meiga, estava aflita porque a filha de 57 anos tinha entrado e não sabia nada sobre ela. Pedi-lhe os dados da filha para ir ao gabinete de informações expliquei que não a conhecia nem sabia a que horas tinha entrado, se me podia dizer alguma coisa para acalmar a mãe. A mãe mesmo com os seus 84 anos ainda estava rija, mas não habituada a viagens tão longas, estava enjoada e não conseguia vomitar. Disse-me que tinha trazido o jornal entre soluços e suspiros, ao que pensei que tinha trazido o jornal para ler na ambulância o que explicaria o enjoo, mas não a senhora trazia uma folha de jornal enrolada presa na cintura da saia, sem dúvida uma mesinha caseira para impedir o enjoo (acho que continuo a preferir a dramamina). Contou-me que tinha posto uma pilha há três meses, que me pôs a pensar no que raio ela quereria dizer... Aparelho auricular não era visível, foi então que me assaltou o pensamento, PACEMAKER!
Já com o meu coração aos pulos pedi-lhe o cartão de utente para fazer a inscrição nas urgências, ao que ela me respondeu que não mo dava, pois a filha tinha dado entrada a vomitar sangue e ela não a queria afligir mais. O auto-sacrifício da senhora comoveu-me, mas ela tinha de ser vista, urgentemente. Disse-lhe com voz segura "Não se preocupe, a sua fila não a vai ver nem vai saber de nada. É só ser vista por um médico e depois pode voltar a esperar aqui". Com a voz mais calma disse-me que não tinha trazido o cartão, mas que tinha trazido o saco com o conteúdo do vómito da filha, o que não sei se me deixou doente de imaginar ou da ingenuidade da senhora. Corri para a recepção e expliquei o caso. A recepcionista pediu-me o nome e a localidade, ao que respondi que não sabia. Afinal de contas era uma desconhecida na sala de urgências. Fui-lhe pedir o nome, mas a recepcionista não o conseguia encontrar. Com a data de nascimento lá conseguimos chegar. A senhora cujo o nome já não me recordo cada vez estava em pior estado. Expliquei a urgência e não tardou a ser chamada. A custo levei-a em ombros para a triagem onde um médico e uma enfermeira assistiam impávidos.
"Vou vomitar, vou vomitar." gritou a senhora, ao que pedi por um saco. A enfermeira olhava para mim como se fosse o meu dever suprir o saco. Olho em roda e agarro no primeiro que vejo, um de 50 litros para material de hospital, entretanto ela salta da cadeira e diz "Use antes este. É melhor.".
"Urinei-me", diz a senhora cada vez em pior estado. "Eu tenho de lhe pagar. Ajudou-me tanto." disse enquanto remexia na mala à procura da carteira. Eu disse para deixar estar, que se a situação fosse ao contrário ela teria feito o mesmo. "Mas tenho delhe dar qualquer coisa.", ao que respondi "Shhh, preocupe-se em melhorar."
Expliquei a situação à enfermeira e deixei a senhora à sua sorte.
O ar cada vez mais frio e a noite mais profunda, quando saiu a minha mãe das urgências, "A avó vai ficar. Eram pedras nos rins. Já está melhor, mas querem mantê-la para observação.". Saímos estrada fora pela madrugada exaustos dos eventos que se tinham passado. A senhora desconhecida da sala de urgências já estava melhor segundo informação da minha mãe. Eram 4 da manhã quando chegamos, nessa manhã fiquei na cama a descansar.
Às 8 da manhã recebemos a chamada, "A senhora Joaquina já teve alta. Podem vir buscá-la.". Desta vez foi o meu pai que me deixou ficar mais umas horas no descanso.
Detesto Urgências.
1 comentário:
Bolas, mas que historias do arco da velha, parece que tens um íman para essas coisas! Ainda bem que tudo acabou em bem ;-)
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